sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

A mãe, a mulher, a empregada. E quem vai lavar o prato do miojo?

A cada 100 trabalhadoras no Brasil 17 são empregadas domésticas, somando ao todo um exército de 7 milhões de mulheres que lavam, passam, cozinham, cuidam de crianças, colocam água nas plantas, guardam roupas nas gavetas e decidem o que a família vai comer no almoço. Na casa dos outros.


Uma dessas casas dos outros é a minha casa. A Di está lá em casa a mais de um ano e se não fosse ela eu simplesmente não conseguiria dar conta do recado. Afinal de contas são 4 pessoas em casa, um bebê recém-desfraldado e uma criança de 10 anos que leva muito a sério o slogan da Ommo. Porque se sujar faz bem, ele gosta e costuma colocar as roupas de sair pra ir jogar bola (mas a Di não deixa ele passar nem da porta).

Di virou uma espécie de 007 lá em casa. Ela descobre onde estão todas as coisas de todas as pessoas de todo o Brasil toda a família. Faz o almoço todos os dias, lava e passa a nossa roupa, e joga air wick fresh matick (não é ótimo falar isso gente? Quase um mantra? Repitam comigo: air wick fresh matick) deixando a minha casa cheirosa. Ela também me conta quais amigos do Lucca falam palavrão e impede que ele execute idéias como subir em cima da cuba da pia do banheiro e colocar meio corpo pra fora da janela. Só pra olhar quem estava na piscina.

Quando eu chego em casa e o jantar já está pronto, é só esquentar; as roupas limpas e guardadas e a casa cheirando air wick fresh matick. E tudo que eu preciso fazer é limpar o xixi que o Theo acabou de fazer atrás da cortina, fazer mamadeira pra um, providenciar Yakult pro outro, convencer o outro de que jogar vídeo-game sentado na cama é melhor do que jogar vídeo game em pé no assento da cadeira; arrumar as malas de escola do dia seguinte; corrigir lição; colocar todo mundo pra tomar banho; convencer todo mundo a comer; tirar a mesa; ameaçar todo mundo de morte se não escovarem os dentes; colocar todo mundo pra dormir.

Daí que eu já ficava cansada o bastante com os meus afazeres em casa mesmo tendo a Di todo dia, e eu nunca imaginei o quão caótica minha vida ficaria se o elemento “Di” fosse subtraído da equação.

E então aconteceu. Numa segunda feira, sem maiores explicações, chueguei em casa e nada cheirava air wick fresh matick. Ela não tinha ido. Tentei ligar no celular dela e nada. Então coloquei um lencinho no cabelo, um avental e empunhei um espanador de penas de avestruz. .. Mentira. Eu praguejei até contra a quadragésima geração da Di porque né, não custa avisar galera. Resultado: Eu de terninho e havaianas lavando louça, roupa, fazendo comida enquanto o Theo corria atrás de mim pela casa pedindo colo.

No dia seguinte ela me ligou, estava em casa e disse que precisávamos conversar. Pronto. Acabou com o meu dia. Ela ia pedir demissão, eu tinha certeza. Cheguei em casa já esperando o pior. Mas na verdade ela queria me contar que estava grávida e não tinha ido na segunda porque teve que fazer uns exames e demorou pra caramba e ela não sabia como me dar a noticia, ficou sem graça. Que coisa né. Todo mundo lembra do dia em que foi contar pro chefe que a cegonha estava batendo na porta? Que vinha um novo integrante pra família? Que o seu enjôo matinal não tinha nada a ver com a máquina de café da copa? Que, enfim, o gato tinha subido no telhado? Então, eu estava passando por isso, só que na posição oposta à que eu estava a 3 anos atrás.

Claro que eu fiquei muito feliz com a notícia (mais feliz ainda em poder continuar contando com ela lá em casa) e tentei deixá-la tranqüila quanto ao emprego e a gravidez também, afinal de contas o trabalho de empregada doméstica não é bolinho e grávida não tem agilidade nem pra andar reto. Mas eu gosto muito dela e quero que ela se sinta segura nesse momento.

Enfim, tudo isso me fez perceber que a minha família não está preparada pra sobreviver sem uma empregada.Eu não estou preparada. Na ausência dela, TODOS os afazeres domésticos ficariam sob minha responsabilidade transformando assim a minha vida, que hoje cheira a air wick fresh matick, em uma vida com cheiro de cocô. E Ponto.

É engraçado como o trabalho doméstico é automaticamente direcionado para a mulher, e mais engraçado ainda como a gente acaba abraçando essa tarefa, muitas vezes sem pedir ajuda. É cultural, é social, eu sei, mas é extremamente massacrante também.

Acho que está na hora de fazer uma reflexão importante, como mãe, mulher, trabalhadora e ser humano. Até que ponto a responsabilidade é só minha? Não estamos todos vivendo e usufruindo do mesmo espaço? Pois então, nada mais justo do que dividir as tarefas, sem ficar pesado pra ninguém.

Vocês sabiam que os homens dinamarqueses passam, em média, 18 horas por semana executando tarefas domésticas? Isso dá mais ou menos 3 horas por dia. O suficiente para lavar, passar, cozinhar, botar criança no banho e fazer uma comidinha.

Os homens brasileiros passam em média 4 horas por semana executando tarefas domésticas. São 35 minutos por dia. O que é tempo suficiente pra trocar uma fralda, e reclamar do cheiro do cocô por 30 minutos. Colocar a cerveja no freezer e esperar 35 minutos até ela ficar gelada. Cozinhar um miojo e ficar 32 minutos em frente a televisão (e depois largar o prato sujo no braço do sofá).

Enfim, é triste minha gente! A minha sorte é que eu acho que o passaporte do meu marido foi adulterado e ele é na verdade um dinamarquês disfarçado. É um cara que lava, passa, passa pano, bota criança no banho e faz um bacalhau ao forno muito do gostoso.

Mas eu sei que somos exceção. Essa história de dividir trabalho doméstico não acontece em praticamente nenhum lar desse meu Brasil. E sabe de quem é a culpa? NOSSA.

Quem é que cria os meninos pra comer miojo e as meninas pra lavar os pratos? NÓS.

Num futuro muito próximo, a profissão de empregada doméstica só vai ter lugar em museu aqui no Brasil. Estamos indo pelo mesmo caminho que muitos países desenvolvidos, essas mulheres que são hoje empregadas domésticas estarão ocupando outros postos de trabalho. E todas nós, bancárias, operárias, jornalistas, professoras, médicas, enfermeiras, arquitetas, engenheiras... Teremos de lidar com o fato de que nossas casas não vão estar cheirando air wick fresh matick quando chegarmos lá. E todas nós temos hoje o mesmo desafio: Criar nossos filhos e filhas para que daqui a alguns anos seja natural lavar o prato do prórpio miojo. Ou estamos fadadas a viver aquela vida que cheira cocô, pra todo o sempre.